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oferenda
belém do pará 2015
instalação
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UM TANTO DE NÓS
Quando as crianças brincam, não existe nada de mais sério. Acredita-se piamente no vivido. “Eu com as quatro/eu com ela/eu sem ela”, cantam em Parlenda os pequeninos. Muito tem a arte do jogo infantil. É como se fosse um prolongamento do eterno deslumbrar-se com o mundo. “Eu com as quatro/eu com ela/eu sem ela”. Nada mais sério e rico em possibilidades de conhecimento e reordenação do mundo. Muito do universo adulto perde em compreensão destas potencialidades ao anestesiar-se pela razão. Tudo ca sem graça, oculto pelo ltro da obviedade de que dois mais dois são quatro. Reina o que está posto, o dito pelo dito. O que já foi comprovado e marcado pelas regras restritas das convenções culturais. Brincar é o respiro do novo. É colocar o rosto para fora do museu e tragar o mundo. Colocá-lo de ponta-cabeça.
O projeto de residência artística “dois de cá, dois de lá” proposto pela Fotoativa e acolhido incondicionalmente pelo Museu da UFPA, chega a sua etapa nal. Chega depois de afetar e ser afetado por seus integrantes-artistas, a incansável equipe técnica e o público participante das falas e o cinas. Os residentes precisavam de residência. Os “meninos” precisavam de moradia. Eis o palacete Augusto Montenegro e sua história. Eis o palacete e a morada de novos ocupantes.
Wellington Romário, um maravilhoso wiado retirante, toma com autoridade, para si e sua família, o protagonismo da casa. Os invisibilizados da Silva Alves, sua avó, Marapanim, o Guamá, cuscuz com café amargo, segredos, sonhos e mentiras presenti cam a memória esquecida da criadagem. Quantos pés, de joelhos, lavados? Quantos desejos imperativos vertidos em seios amorenados? Dalcídio evocado a todo o momento. Mãe Ciana, negra, vendedora de papelotes de cheiro-de-roupa. O porão, o porão e seus códigos próprios. Vida e autonomia que sobem as escadas e veem Belém de onde sempre deveriam estar.
Vem de Contagem, da zona industrial dos Gerais, Randolpho Lamonier. Traz consigo o menino que é pai do homem. Traz os horrores da guerra sofridos pela família de Clarice, Clarice Lispector. Traz a dor e a desesperança do amigo de infância assassinado. O sangue da morte respingado nos pais do amigo; três horas de agonia à espera da ambulância de remoção do corpo sem vida. Mater-Dolorosa-Pietá-Sagrada-Família. O vermelho da vida e da morte. No braço, a cartogra a da vinda, da Belém reconhecida. O barco presenteado carinhosamente que singra as águas-veias. A experiência pavorosa do Pronto Socorro Municipal; o odor acre característico dos corpos que sofrem. O assalto, o ladrão, a faca, o Ver-o-Peso. Aqueronte, o barqueiro do Inferno; aquele que o faz pisar fundo na realidade da cidade. O salto quântico traduzido em Epifania, a ampliação da compreensão do estar no mundo; Jurunas e os banheiros infectos. Ele nos outros, os outros nele. Sidarta Gautama e a crueza transformadora do caminho da Iluminação. A não negação do mundo. Traz consigo o menino que diz: ninguém precisou me ensinar a afundar.
Malu Teodoro veio, suave. Etérea presença que transita entre as ramagens da mata e seus cheiros. Unguentos, chás, perfumes. Experiências íntimas compartilhadas com parcimônia e silêncio. A borboleta que passa e anuncia boas conversas. Coisas para comer e se deitar na rede. Tudo é energia e percepção de causa e efeito. O desejo de passado da infância longínqua de Rondônia alinhava sua vinda, sutil. Duas mochilas e fluxo de rio. Coisas, objetos achados, presenteados; elementos constituintes de uma cartografia a do afeto. Um mapa do Norte costurado com Patchouli abre a caixinha de costura. O alinhavo é correto, discreto. Há poesia naquilo que se deixa envolver. Fragmentos de imagens. Carícias de apropriação do universo de outras sensibilidades em farfalhar constante das águas, murmúrio gentil. Tudo está em movimento, e se transforma. Cascatas que se embalam como redes de dormir, sonhar e compartilhar.
Débora Flor, Dandara e o Céu. O Céu existe? É terreno? Está na outra margem do rio? Está ao alcance dos olhos, o Céu? A flor, a menina-aparição, o Céu. Ir à busca de si mesma do outro lado do Rio-mar, atravessar a baia do Guajará. Conviver com a família de Dandara, bater de casa em casa à procura de materiais que propiciem a construção da imagem é simples mote para o encontro e a vontade de adentrar ainda mais no universo ribeirinho. De lá surge o caderno. Apontamentos tocantes de uma relação que comporta magia, admiração e amizade. O Céu existe? É terreno? Está na outra margem do rio? Está ao alcance dos olhos, o Céu? Sim, existe. Está ao alcance das mãos, e dos olhos.
Muito provavelmente, quando brincam, as crianças não pensam em redimir o mundo. Contudo, sua inteireza, como a dos artistas, desestabilizam verdades absolutas. Que não nos encante somente a pureza das crianças. Mas sim, seu desassossego.
Palacete Augusto Montenegro, 2015
Armando Queiroz e Alexandre Sequeira
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da residência nasceu a exposição "um tanto de nós".
da residência, da exposição e de mais um punhado de forças nasceu a publicação "viver ou narrar",
disponível em pdf pelo site da associação fotoativa
Não há descanso do coração sobre a pelve, 2023
A menina é a mãe da mulher, 2023
Rodopios, 2023
O fio da vida, 2022
Peixes, búfalas e urubus, 2022
Garavunhas, 2022
Azul, 2022
Você está morta, 2021
A Mãe Monstra, 2021
Cronocyanografia, 2021
Polvorosas, 2020
Álbum de família, 2020
Pera rocha, 2019
Inaê { relato-vídeo de parto, 2019
A vida intrusa, 2015
Oferenda, 2015
Breu, 2014
Do elo, 2014
Contigo quero dividir minha solidão, 2011
De la nostalgia y su infinitud, 2009
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