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a vida intrusa

performance e instalação

malu teodoro e rodrigo usba

rio de contas, bahia, 2015



O primeiro afeto — chamamos de afeto aquilo que nos toca intimamente de forma tao singela que quase passa desapercebido – aconteceu pelas as epífitas que habitam os fios de eletricidade em rio de contas. Esse fios, tão feios e desorganizados, desembelezam as cidades, sobretudo essa, tão delicada e harmônica. sempre pensamos como as cidades eram inicialmente, quando não existia eletricidade, muito menos esses cabos horrorosos passando por cima das casas...

Em rio de contas os fios também são feios, mas essas plantinhas dão um ar vivo aos mesmos, e criam beleza e graça. parecem partituras musicais, e em cada fio se organizam de forma diferente, as vezes nos fios de cima, as vezes nos de baixo. A vida nasce do fio de alta tensão, do lugar menos provável, mais inóspito, mais hostil. A vida existia ali, e dava graça ao desgraçado. A vida intrusa.

Esse afeto ja era o suficiente para uma ação, porém através de trocas na residência e conversas intimas percebemos que também fomos afetados por pessoas, pessoas que não precisavam de nenhuma brecha para mostrar a sua luz, a sua vontade de dar e compartilhar. Percebemos que nesse afeto, o mais pulsante era a vida brotando em situações e pessoas inimagináveis. a vida intrusa se revelava novamente.

Percebendo esse ponto de convergência, nossa ação foi, então, juntar esse dois afetos. Desenhamos em aquarela e nanquim os poéticos fios, e escrevemos cordéis, pequenos poemas, sobre essas pessoas que nos afetaram. Como forma de troca e de reconhecimento, regalamos esses pequenos objetos íntimos e afetivos a essas pessoas. Eram ações quase invisíveis aos olhos mais apressados, porém tocante ao (nosso) olhar devagar.

Ação de Malu Teodoro e Rodrigo Usba para o projeto "Jogo de três - Residência em criação coletiva", em Rio de Contas, BA.


https://jogodetres.wordpress.com/

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Uberlândia, 4 de agosto de 2015

sobre esses presentes tão singelos e verdadeiros: são o que há de mais belo nessa vida, essa vida aqui e agora, próxima, que é feita das relação eu-tu (eu sou tu - rumi). as criações (arte, obra) mais humanas e amorosas são criadas nesse espaço de interlocução entre dois corpos ou mais. sem esse recente entendimento, a arte era pra mim uma tentativa formal de me relacionar (mais profundamente [ou menos superficialmente]) com o mundo. ela era a ponte entre eu e o mundo, entre eu e o que eu gostaria que fosse uma relação; e de tanto querer, acreditava na veracidade dessa criação, para além da relação. quando se vive relações tão vivas e permeadas pela criatividade natural da vida, qual o sentido da arte, senão ela mesma dissolvida em todas as atividades do viver?

"aos poucos fui percebendo que as sociedades singelas guardam, entre outras características que perdemos, a de não ter despersonalizado nem mercantilizado sua produção, o que lhes permite exercer a criatividade como um ato natural da vida diária. cada índio é um fazedor que encontra enorme prazer em fazer bem tudo o que faz. (...) não havendo para os índios fronteira entre uma categoria de coisas tidas como artísticas e outras, vistas como vulgares, eles ficam livres para criar o belo. (...) essa compreensão importa na conclusão de que a verdadeira função que os índios esperam de tudo o que fazem é a beleza. incidentalmente, suas belas flechas, sua preciosa cerâmica têm um valor de utilidade. mas sua função real, vale dizer, sua forma de contribuir para a harmonia da vida coletiva e para a expressão de sua cultura, é criar beleza." darcy ribeiro em "meus índios, minha gente".

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